
Quando a boa ação vira vitrine: o uso político de datas comemorativas e seus efeitos na cidadania
Em tempos de celebração, como o Natal, a Páscoa ou o Dia das Crianças, é comum vermos políticos promovendo ações sociais — distribuição de brinquedos, cestas básicas, eventos comunitários. À primeira vista, esses gestos parecem nobres. Afinal, quem poderia criticar uma boa ação? Mas por trás da generosidade aparente, há uma engrenagem política que merece ser observada com atenção.
A caridade como vitrine
Datas simbólicas despertam emoções coletivas. São momentos em que a população está mais receptiva à empatia, à solidariedade e à esperança. É justamente nesse terreno fértil que muitos agentes políticos semeiam sua imagem pública. A ação social, então, deixa de ser apenas uma resposta à vulnerabilidade e passa a ser uma estratégia de marketing emocional.
O político que distribui brinquedos no Dia das Crianças não é visto como um gestor, mas como um “pai do povo”. Aquele que entrega cestas básicas no Natal é lembrado como alguém “que se importa”. E assim, a figura pública se transforma em uma entidade quase mística — um benfeitor, um salvador, um santo.
O risco da distorção
Esse tipo de ação, quando repetida e vinculada à imagem pessoal do político, cria um vício simbólico na população. A cidadania é substituída pela gratidão. O eleitor deixa de cobrar políticas públicas estruturantes e passa a esperar favores pontuais. A função do político — seja no Executivo ou no Legislativo — é confundida com a de um doador voluntário.
Mais grave ainda: essa prática reforça a desinformação sobre o papel do Estado. O político não é um santo, nem um herói. Ele é um funcionário público eleito para cumprir deveres constitucionais. Quando ações sociais são usadas como moeda eleitoral, elas distorcem essa realidade e enfraquecem a cultura democrática.
O que deveria mudar?
Ações sociais são importantes, sim. Mas precisam estar inseridas em políticas públicas contínuas, transparentes e desvinculadas da promoção pessoal. O ideal seria que essas datas comemorativas fossem usadas para reforçar valores de cidadania, estimular o engajamento comunitário e promover o acesso a direitos — não para construir mitos políticos.
A população também precisa ser educada para entender que o verdadeiro papel do político é estrutural, não simbólico. Ele deve ser cobrado por resultados, por projetos, por leis e por gestão — não por presentes em datas festivas.
Conclusão: A boa ação não é o problema. O problema é quando ela vira espetáculo. Entre o gesto solidário e o uso político há uma linha tênue — e cruzá-la pode custar caro à democracia.
Por Jorge Ramos Jornalista, comentarista político, articulista e cronista. Consultor financeiro e securitário. Graduado em Administração/Gestão Pública e pós-graduado em Direito Constitucional.
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