
Uma jornada satírica pelas engrenagens da política municipal, onde o culto à função pública eclipsa o serviço à população.
Por Jorge Ramos
Em Americanópolis d’Oeste, onde as nuvens do céu têm formato de fita cassete e o futuro vem por fax, o vice-prefeito Sabujão vive uma fábula de gratidão sem fim. Seus vídeos institucionais mais parecem boletins apaixonados de um escudeiro ao seu cavaleiro supremo — o prefeito, também conhecido como o Alcaide, o Magnífico, o Iluminado. E assim, dia após dia, Sabujão presta contas não à população, mas ao contratante divino que lhe deu “a oportunidade”.
A cidade pulsa com wi-fi, QR Code e crianças que pensam em programação antes do recreio. Mas Sabujão? Ele navega no retrovisor. Em sua cabeça, um discurso simples e populista, embalado com orgulho por um fundo musical digno de comercial de sabão em pó dos anos 70. Acredita piamente — e isso é o curioso — que sua humildade performada e fidelidade em vídeo o levarão ao trono em 2028. Como se o povo votasse por afeto, não por futuro.
É gente boa, disso ninguém duvida. Sorridente, cordial, prestativo. Mas não reconhece seu lugar como ser humano com voz própria: se dissolve na reverência. A função pública, para ele, virou altar. O prefeito é a divindade, o povo é figurante. O vídeo? Uma carta de amor institucional transmitida pelo canal da prefeitura e patrocinada pela saudade dos tempos do bip da internet discada.
E o mundo lá fora? Suspeito. Para Sabujão, o universo começa na fronteira de Americanópolis e termina na última rua asfaltada pela gestão. Tudo que vem de fora é estranho, perigoso, digno de desprezo sutil — ou não tão sutil. Seu bairrismo chega a assustar: um filtro político que transforma diversidade em ameaça.
Enquanto cidades aprendem a governar com dados, participação popular e engajamento real, Americanópolis tem um vice que acredita que ser “gente como a gente” basta. Mas em tempos de inteligência artificial e fibra ótica, não há espaço para fita cassete de simpatia.
Em 2028, a cidade terá que escolher: seguir com quem confunde cargo com devoção, ou finalmente dar espaço a um líder que compreenda que governar é servir ao público — e não bajular o patrão. Porque por mais carismático que Sabujão seja, Americanópolis merece mais que elogios em vídeo. Merece política conectada com o presente.
📼 Esta é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com nomes, cargos ou fatos reais é mera coincidência — ou apenas culpa do fax.
Jorge Ramos é Jornalista, comentarista político, articulista e cronista. Também atua como consultor financeiro e securitário. Graduado em Administração com ênfase em Gestão Pública e pós-graduado em Direito Constitucional.
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